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Voz da Rússia, parte 2
por J. R. Nyquist
Conheça Victor Kalashnikov: ex-agente da KGB, estudioso, analista e escritor. Ele é casado com a historiadora e jornalista Marina Kalashnikova, o tema da coluna da semana passada. Antes do colapso da União Soviética Victor trabalhou para a KGB, em Viena. Após a bizarra abdicação de Gorbachev, em dezembro de 1991, Victor viu-se atraído para a administração presidencial de Boris Yeltsin, sob ordens do General Yevgeny Primakov, da KGB. Lá ele se tornou um diretor de pesquisas do Centro de Políticas Públicas da Rússia. "Então minha atenção voltou 180 graus da Europa para a Rússia", explicou Victor. "Eu estava bastante entusiasmado para explorar o que estava acontecendo na Rússia. As pessoas do Kremlin se depararam com várias surpresas e descobertas quanto ao que a Rússia era realmente."
E o que é a Rússia?
Com a ajuda do assessor presidencial, Sergei Stankevich, Victor conseguiu aposentar-se da KGB. Mas a KGB o queria de volta, assim como eles queriam a Rússia volta. Qualquer trabalho que Victor aceitasse, onde quer que fosse, a KGB apareceria. “Eles sempre entraram em cena com ofertas e promessas, querendo explorar os meus contatos,” explicou Victor. Você veja que já a essa época a Guerra Fria ainda estava em curso, assim como o trabalho dos espiões de Moscou. Em 1997, o SVR (KGB) queria que Victor infiltrasse espiões na companhia petrolífera alemã em que trabalhava. Quando ele se recusou, o SVR prometeu que iria "pagar com seu sangue." Em 1999, depois de tomar café na Embaixada Russa em Bruxelas, Victor ficou muito doente. Muito naturalmente, ele suspeita de veneno.
Em 2000, um dos colegas de Victor foram convocados pela polícia secreta e o disseram que os Kalashnikovs estavam em uma "lista negra" devido a seus escritos politicamente incorretos. As pessoas estavam sendo advertidas por todos os lados, incluindo o seu dentista. Seus amigos desapareceram. Os colegas desistiram de manter contato. Ele não mais poderia ir ao dentista. "O que me impressionou, especialmente com a geração mais jovem," Victor observou, "é que eles pareçam ser tão conformistas. Não têm idealismo nem valores. Eles só estavam dispostos a colaborar com quem quer que eles vissem como superiores. É por isso que, hoje em dia, em última análise, nós nos encontramos de forma inesperada na posição de outsiders, dissidentes e mesmo inimigos. Foi assim que chegamos a esta situação."
Em 2004, Victor e sua esposa continuaram a escrever sobre assuntos polêmicos e viram-se abordados na rua por oficiais da FSB (KGB) que os advertiu contra a entrada em embaixadas estrangeiras e interrompeu suas tentativas de se reunir com diplomatas. Neste momento, o Kalashnikovs foram demitidos dos seus respectivos empregos em jornais. Desse ponto em diante, Victor e Marina não mais conseguiram encontrar trabalho na imprensa, em universidades ou em empresas russas. Por fim, eles procuraram uma saída para o seu talento na Ucrânia. Mas aqui, novamente, o Kremlin não lhes deu descanso, já que funcionários ucranianos advertiram que o ministro russo do interior tinha incluído os Kalashnikovs em uma lista de "extremistas" e que, como conseqüência, a sua segurança pessoal na Ucrânia já não poderia ser garantida.
"O conformismo é absolutamente esmagador aqui", lamentou Kalashnikov. "Não deve haver distinção entre as autoridades russas e o povo russo. Dos desempregados nas províncias ao topo da hierarquia, o conformismo é enorme. Também dentro da mídia, todos eles estão dispostos a cooperar. Isto é uma realidade e evoluirá desta maneira, apesar de problemas econômicos de hoje. É um fenômeno tipicamente russo. "
Se isso soa como nos tempos soviéticos, você não está enganado. O sistema totalitário se tornou mais sofisticado e mais simplificado. O Ocidente não deve enganar-se. A Guerra Fria nunca terminou. A KGB continua em vigor. Segundo Kalashnikov, "Não é necessário controlar a região da antiga União Soviética inteira. Nós podemos projetar nossa influência. Mesmo quando nós permitimos que os norte-americanos e a OTAN tenham uma presença lá, nós ainda temos o controle. Eu até desconfio que o que aconteceu produziu um modelo de modernização estratégica".
Há muito se foram os empecilhos imperiais. A Rússia pode usar as suas redes de agentes secretos para chantagear executivos, políticos e intelectuais. Jornalistas podem tanto ser comprados quanto ser despedidos por um custo irrisório. As campanhas de desinformação dos anos 60, 70 e 80 lançaram as bases para uma grande decepção. O Ocidente pensa que está lidando com uma nova entidade na Rússia. No entanto, eles ainda estão lidando com a casa que Stalin construiu.
"Meu sentimento é que o antigo sistema de gestão de pessoal dos tempos soviéticos foi restabelecido", disse Kalashnikov, explicando como a polícia secreta pode privar os cidadãos resistentes de um meio de subsistência. "Na União Soviética o seu arquivo pessoal te seguia sempre que havia mudança de um emprego para outro. Seu empregador pode ver qualquer ponto negro marcado pelos empregadores anteriores, e meu ex-patrão [a KGB] estava ansioso para tornar minha vida o mais difícil possível. Eles queriam nos pressionar ao ponto que teríamos de admitir a nossa derrota e fracasso, repensar nosso comportamento."
No Ocidente, fomos informados que o sistema soviético acabou. Fomos informados de que o Partido Comunista perdeu o poder, a KGB foi reformado e que a democracia ganhou o dia.
Kalashnikov disse: "Não houve qualquer momento, posso afirmar com certeza, em que o velho sistema da KGB e a nomenklatura admitiu sua falha ou perdeu o controle. Eles apenas mudaram a sua forma e aparência. Era um tipo de mudança geracional. Em vez de generais no comando, temos tenentes-coronéis. Eles se comportam de maneira diferente, mas estão fazendo a mesma coisa. Nunca houve qualquer momento em que eles admitiram alguma derrota histórica. Nunca houve qualquer passo sério na direção de uma “descomunização” – nunca, nunca. A Comissão Yakovlev foi concebida para imitar os procedimentos descomunização na Europa Central. "
Então foi uma farsa?
"Sim, era uma falsificação, uma imitação", insistiu Kalashnikov. "Desde o início a idéia era, nós vamos voltar, vamos nos modernizar. E foi assim que aconteceu. Naturalmente, muitos observadores ocidentais estavam satisfeitos com as novas caras, com os novos estilos e com a abertura. Mas, passo a passo, você mesmo pode se lembrar que muitas instituições americanas aqui na Rússia tem sido empurradas para fora ou colocadas sob o controle russo. Assim, formalmente, temos vários organismos ocidentais aqui que alegam estar fazendo democracia e trabalhos de consultoria, mas na verdade eles se tornaram um instrumento de política do Kremlin para imitar e explorar para seus próprios fins."
Aqui estão as palavras de um ex-oficial da KGB, dizendo a verdade desde sua casa, em Moscou; impedido de trabalhar por causa de sua honestidade – colocado na lista negra por seus ex-colegas, porque ele não queria participar da maior decepção do nosso tempo. "Não houve nenhuma responsabilidade real pelo passado", explicou Kalashnikov. "Foi um grande engano. As pessoas mudaram de aparência e comportamento, mas o significado real do sistema permaneceu o mesmo - em substância. Isso era bastante visível para mim. O Ocidente está feliz apenas pelo fato de deixarmos de lado os nomes Comunismo, União Soviética, etc. Mudamos nosso vocabulário. Em vez do Politburo e do Comitê Central, temos um presidente e um governo presidencial. Em vez da KGB, temos FSB. Eu insisto que a interpretação sobre a história soviética recente deve ser alterada profundamente. A KGB manteve enormes redes de espiões domésticos. Centenas de milhares de pessoas foram implantadas no momento certo, influenciando o movimento democrático. Esse sistema foi ampliado por Putin. Se você olhar a Rússia desde fora, você não consegue saber quem está manipulando a coisa toda. Centenas de milhares de recursos são empregados na política e nos negócios. Há uma agenda oculta e há estruturas secretas. Nem mesmo os alemães se livraram das suas estruturas ocultas relacionadas à era comunista. Com todos os esforços e tecnologia alemães eles ainda não conseguem resolver o problema das estruturas comunistas secretas. Eles ainda estão sendo manipulados. Agora pegue a Rússia, que é livre para reconstruir suas estruturas [totalitárias] sob uma roupagem diferente."
E quais são as implicações estratégicas?
"Elas devem ser enormes", disse Kalashnikov. "Você sabe, há uma coisa que as pessoas devem entender. Há uma nítida linha de continuidade nas políticas militares de Moscou, desde os tempos de Stalin. Moscou tem seguido a mesma linha de política de maneira consistente. O que é enganador para muitas pessoas é que a presença militar material não está mais lá. Nós não precisamos de tantos tanques. A questão é que tipo de projeto, que tipo de estratégia que você tem no lugar. Tudo isso está inserido dentro dos potenciais de Moscou. Vemos que a presença russa está sendo reinstalada em alguns lugares – América Latina, África e Oriente Médio. "O importante é a manipulação e a influência em vez de um controle direto.
Em matéria de estratégia moderna, o tamanho reduzido da Rússia traz vantagens. Agora, a Rússia não é responsável por alimentar o Azerbaijão, ou fornecer energia barata aos Estados Bálticos ou à Ucrânia. As armas de influência e manipulação da KGB, incluindo o crime organizado e o tráfico de drogas, podem ser usadas para influenciar e manipular sem precisar manter exércitos caros. Dessa forma, os russos aprenderam a racionalizar a sua dominação. Fazer os americanos pensar que Washington mantém o controle. Mas olhe hoje à sua volta e veja o que está acontecendo com a economia americana, com o dólar americano, e com a dissuasão nuclear nos EUA. Há um enfraquecimento visível em todas as três áreas.
Victor Kalashnikov é um homem corajoso. Ele recusou-se a falsificar a realidade por uma questão de oportunidade de carreira ou mesmo de segurança pessoal. Ele está nos dizendo como as coisas são no maior país do mundo. Você pode ignorá-lo se quiser, mas o faça apenas em prejuízo próprio.
Fonte: http://www.financialsense.com/stormwatch/geo/pastanalysis/2009/0724.html
Tradução: Rafael Resende Stival, do blog Salmo 12.