segunda-feira, 15 de março de 2010

Os trens chineses são melhores que os americanos, e isso é bom

O título do texto não é atrativo, mas o assunto nos ajuda bastante a entender as diferenças políticas e econômicas entre regimes de princípios totalmente diferentes. Um prato cheio para os geógrafos sérios.


Enquanto os EUA estão trabalhando a passos de tartaruga para dar rumo ao seu sistema ferroviário de alta velocidade, a China está avançando à velocidade máxima com o seu próprio: Segundo o New York Times, 42 linhas de alta velocidade foram inauguradas recentemente na China ou estão prontas para funcionar dentro dos próximos dois anos. Assim que os analistas fizeram comparações entre os esforços ferroviários dos dois países, pareceu que os EUA estão ficando para trás, com um programa que é mais lento, mais difuso e que tem mais etapas a se galgar. Mas essas deficiências podem realmente refletir o recurso mais valioso dos Estados Unidos: um sistema político e econômico que se desenvolve melhor e é mais sensível às necessidades do seu povo.

Onde isso vai parar?

Um dos grandes problemas enfrentados pelo programa ferroviário dos Estados Unidos é a questão da propriedade privada. A maioria dos trens da Amtrak compartilha trilhos com trens de carga, o que limita a velocidade de transporte. Para desenvolver um completo sistema ferroviário para os trens-bala nos EUA será necessário construir linhas exclusivas. Isso significa que as empresas e as parcerias público-privadas que estão construindo as linhas ferroviárias terão que comprar as propriedades necessárias a preços de mercado ou pedir a expropriação ; e pagar o valor que o governo decidir é pagar o valor justo de mercado. Seja qual for o método, é certo que haverá proprietários furiosos, infindas reuniões e muito dinheiro do contribuinte indo para as aquisições de propriedades.

Na China autocrática, o planejamento centralizado de governo encurta o caminho dos negócios sujos da democracia. Quando os residentes de Tsoi Yuen, uma aldeia que fica no futuro caminho da ferrovia do Cantão, recentemente se encontraram com os planejadores para uma "consulta", ofereceram a eles a escolha: aceitar dinheiro para sair ou sair sem dinheiro algum. De qualquer maneira, o trem passaria por sua cidade.

Quem vai construí-la?

Tendo obtido o controle das terras necessárias, o próximo passo será encontrar a mão-de-obra para a construção das linhas. A recessão nas economias ocidentais colocou milhões de trabalhadores no mercado, permitindo a linha Beijing-Shangai, de 32 bilhões de dólares, empregar o impressionante número de 130.000 trabalhadores. Nos Estados Unidos, o custo deste tipo de trabalho seria atroz, mas a moeda controlada artificialmente da China mantém o salário dos trabalhadores em cerca de 176 dólares por mês, ou pouco mais de 1 dólar por hora. Em comparação, o salário médio de um trabalhador novato da construção civil nos Estados Unidos é de 13,71 dólares, o que se traduz em mais de US$ 2.300 por mês. Em outras palavras, a China pode contratar mais de 13 trabalhadores pelo mesmo preço que os EUA gastam com um – ou mais de 130.000 para o custo de 10.000 nos EUA.

O trabalho por preços módicos foi fundamental para a construção da primeira linha férrea transcontinental dos Estados Unidos. O trecho que vai de Sacramento (Califórnia) a Ogden (Utah) foi construído com a ajuda de cerca de 10.000 operários chineses que trabalhavam por cerca de US$ 25 a US$ 30 por mês, até 30% menos do que os salários dos empregados nativos qualificados. A outra parte, que liga Ogden a Council Bluffs (Iowa) foi construída por imigrantes europeus, soldados recentemente licenciados da Guerra Civil e, na área perto de Salt Lake, trabalhadores Mórmons ansiosos.

Este vasto conjunto de trabalho não qualificado, combinado com uma falta de preocupação com a segurança do trabalhador, permitiu que os EUA construíssem uma ferrovia transcontinental em apenas seis anos. Mas as normas de segurança no local de trabalho do século XIX – e de grande parte da China contemporânea – pasmariam os americanos contemporâneos. Comparada com a anterior, a força de trabalho norte-americana de hoje é infinitamente mais educada e polivalente do que os seus homólogos do século XIX, e nossas técnicas modernas de construção são as máquinas e a educação intensa, o que maximiza o ônus desta força de trabalho limitada e cara. Além de um esforço de trabalho como o da China ser impossível nos E.U.A., também seria amplamente desnecessário.

E quem usará o trem?

Outra diferença fundamental entre os empreendimentos das frerrovias de alta velocidade na China e nãos EUA recai sobre os potenciais consumidores dos serviços. Enquanto o trem é a forma dominante de transporte em grande parte da China, nos E.U.A. ele tem que competir com os aviões e carros. Por ser desprovidas da velocidade dos aviões e da conveniência de automóveis, as linhas de alta velocidade terão que oferecer a passagem a preços bem amenos. Contudo, há pouco tempo isto causou conflito entre trens e ônibus, estes com sobrecarga muito menor.

Na China, uma infra-estrutura de transportes fragmentada significa que lá há poucas opções de locomoção em várias áreas; conseqüentemente, os trens podem praticamente cobrar o quanto quiserem. A tarifa básica é altamente subsidiada para uma viagem de 664 milhas, de Guangzhou a Wuhan, é de 20,50 dólares; usando a conversão do salário de 13.5 para 1, isto se traduz, em comparação ao preço americano, em cerca de 276 dólares por passagem só de ida. Em comparação, a passagem para o trem de alta velocidade é 72 dólares, o que equivale a quase 1.000 dólares americanos usando a mesma comparação. Este preço põe o sistema ferroviário de alta velocidade chinês longe do poder aquisitivo do seu trabalhador médio.

Mas a rentabilidade do sistema ferroviário da China também funciona de modo diferente neste projeto. As ferrovias de alta velocidade do país estão funcionando como um grande projeto keynesiano, espremendo a economia chinesa ao despejar bilhões de dólares no mercado de trabalho. Neste contexto, mesmo que as novas linhas ferroviárias da China nunca vinguem, elas serão bem sucedidas apenas em virtude da sua capacidade para empregar centenas de milhares de trabalhadores. Além disso, ela também abrirá pontos comerciais em áreas pobres do país, oferecendo benefícios contínuos ao passo que as zonas menos desenvolvidas se tornam locais potenciais para o desenvolvimento industrial.

Em um contexto mais amplo, é importante também notar que o sistema político e econômico da China dá a seu sistema ferroviário uma margem de manobra impraticável nos Estados Unidos. Como empresa estatal, a China Railways não tem necessidade de impressionar os acionistas com lucro, e os grandes planejadores do país não teem que dar satisfação aos eleitores.

Por causa do curso lento em que os projetos ferroviários de alta velocidade são executados, os críticos inevitavelmente vão apontar os vários atrasos e deficiências mencionadas como provas de que os EUA está bordejando, que está sendo superado pela China, ou que falta vontade política suficiente. No entanto, estas deficiências refletem um sistema político que é mais sensível ao seu povo, mais preocupado com os direitos individuais e mais desenvolvido que o da China. Em outras palavras, embora o sistema político e econômico dos EUA possa ser menos eficiente do que chinês, é mais maduro – e mais preferível.

Bruce Watson

Articulista

Bruce Watson é articulista do DailyFinance, com foco nos efeitos políticos e culturais dos eventos econômicos. Colabora com o Military Lessons of the Persian Gulf War, o A Chronology of the Cold War at Sea, o Journal of American Philosophy, o American Journal of Philosophy, o A Café in Space, e, em breve, com o Butter, Gooseberries, and Latkes! Ele também trabalhou como assistente de investigação na Câmara Britânica dos Comuns e no Instituto Naval dos Estados Unidos.

Fonte: http://www.dailyfinance.com/story/chinas-trains-are-better-than-americas-and-thats-a-good-t/19366122/?icid=main%7Cmain%7Cdl4%7Clink3%7Chttp%3A%2F%2Fwww.dailyfinance.com%2Fstory%2Fchinas-trains-are-better-than-americas-and-thats-a-good-t%2F19366122%2F

Tradução: Rafael Resende Stival, do blog Salmo 12


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